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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Ulisses
A história da humanidade é a história do conhecimento e do auto-conhecimento humano. Quanto mais conhecemos o mundo à nossa volta mais de nós mesmos nós conhecemos e quanto mais nos conhecemos, mais consciência temos do quanto somos limitados e determinados
I - O Herói.
Quem foi Ulisses? Onde e quando viveu, teria sido ele um semi-deus, ou um ser dotado de algum poder extraordinário? Não! Ulisses, segundo Homero era o rei de Ìtaca, uma pequena ilha do mar Egeu, na verdade era um pastor de ovelhas que tinha uma vida simples, nada sequer parecida às imagens de reis que temos hoje, sua coroa era seu arco que utilizava nas suas caçadas, era um homem simples, cujas posses se resumiam às suas terras e ao seu rebanho de ovelhas, nada ostentoso, mas era rico para a sua época. Casou-se com sua amada Penélope e com ela teve um filho a quem deu o nome de Telêmaco. Esse era seu grande tesouro, sua família.
Com o filho recém-nascido nos braços, ele o apresentou aos deuses e ao povo da bela Ítaca e sonhava em envelhecer vendo-o crescer. Ali, naquele momento quantos pensamentos, quantos sonhos, quantos projetos não devem ter passado pela mente do rei de Ítaca? Quão longe em seus devaneios ele não deve ter viajado. Assim como nós, em algum momento algum fato marca decisivamente nossas vidas, pode até mesmo ser o nascimento de um filho. Cada um tem sua história e sabe, olhando para trás que fato foi esse e mesmo que você seja ainda tão jovem que esse dia ainda não tenha chegado ele chegará e com certeza você sonha com ele, você o constrói, divaga sobre o momento em que você assumirá a sua vida na sua mão em que se tornará independente de seus pais, em que fará alguma coisa importante na vida. Para aqueles que já têm alguma vivência, é sempre bom relembrar esses momentos; dos nossos sonhos de criança eu, por exemplo, morava próximo a uma ferrovia, naquela época em que ainda existiam trens de passageiros, o dia inteiro passavam trens próximo à minha casa e da janela da sala eu podia vê-los deslizando macio sobre os trilhos. Meu avô morava em uma fazenda em Porto Ferreira, interior de São Paulo, eu e minha irmã ficávamos esperando com ansiedade a chegada das férias de final de ano, quando íamos de Campinas até o Porto, como diziam os meus pais, de trem. Meus pais eram pobres, e para não pagar minha passagem eu ia sentado exprimindo entre eles quando o cobrador passava. Ele vinha com uma espécie de alicate nas mãos, pegava os bilhetes e fazia uns furos neles com aquele alicate, eu me encolhia o máximo que podia para passar despercebido pelo homem, que no seu uniforme, a mim parecia grande e todo poderoso. Eu adorava o barulho do trem, a paisagem ia passando rápido, depois que aprendi a contar eu ia contando os postes que passavam cada vez mais velozes, o auge da viagem era quando vinha o moço vagão restaurante. Nós nunca visitamos o restaurante do trem, só depois, que fiquei mais velho fui descobrir que aquele moço que vinha com um carinho cheio de salgadinhos, lanches e caçulinhas (para quem não sabe a caçulinha era um refrigerante que vinha em uma garrafinha de ¼) vinha de lá. Quando minha mãe tinha dinheiro ela comprava alguma coisa pra gente comer e beber, mas na maioria das vezes eu e minha irmã só olhávamos o moço do carrinho de lanches chegar e ir embora. Lembro-me como se fosse hoje, e da docilidade com que minha mãe retirava um lanche que ela mesma preparava em casa e nos dava para comer e dizia que infelizmente não tínhamos dinheiro para aquele pequeno luxo. Mesmo assim, o trem me fascinava e quando me perguntavam o que eu queria ser, de pronto respondia que queria ser maquinista de trem, passava horas me imaginando à frente de um trem, tem um filme da Disney em que o Mickey faz o papel de maquinista, adorava assistir aquele filme quando ela passava na nossa televisão, preto e branco, e sonhava com o dia em que eu estaria ali também, a frente do meu trem. Os trens acabaram, eu cresci e de lá para cá muitos foram meus sonhos como também muitos forma meus desencantos.
Como qualquer mortal, nosso herói, perdido em seus pensamentos sonhava com uma vida tranquila, cheia de sucessos e de vitórias. E sonhar faz bem, são nossos sonhos que nos impulsionam, eles representam a esperança que existe dentro de cada um de nós. Viver, sorrir, sonhar, como! Enquanto houver sonhos, haverá esperança! É muito triste quando nos deparamos com adolescentes, ou jovens que não sonham, que não veem perspectiva para as suas vidas; que já foram tão surrados por ela que não conseguem olhar para frente e imaginar um futuro, andam olhando para o chão, de cabeça baixa, derrotados. Precisam ser resgatados do limbo em que vivem e trazidos para a luz. Em nossos sonhos podemos tudo, até mesmo ignorar as artimanhas do destino.
II
- O Destino
Em
nossos sonhos, podemos tudo, até mesmo vencer as artimanhas do destino!
O
destino para o mundo grego antigo era algo que não se questionava, para eles
era impossível pensar o mundo como o pensamos hoje. Olhando para a natureza
eles viam que ela obedecia a uma lei básica e frágil que, para ser mantida
necessitava do respeito dos homens para com os deuses que a mantinham. Os anos
não eram contados um após o outro, aliás, eles não viam o tempo como nós o
vemos, tal como um rio que corre em direção ao mar. Eles o viam como um eterno
recomeçar; tal como ocorre com as estações do ano. O ano começa na primavera (ou
primeva, primeira), em seguida vem o Verão, depois o Outono e por fim o
Inverno, para tudo recomeçar novamente na Primavera, Verão, Outono, Inverno,
Primavera..... num ciclo sem fim, num eterno retorno. Tudo volta para onde
começou, assim também acontece com o homem, que era Humus (adubo, fertilizante,
esterco, terra; daí a palavra Homem), que toma a forma humana e quando morre
volta a ser Humus novamente. A física hoje nos ajuda a entender cientificamente
esta concepção de mundo, por nós esquecida. A matéria de que somos feitos é a
mesma que foi criada a 13,7 bilhões de anos atrás no Big Bang; depois disso não
se criou mais matéria no universo, de lá para cá, ela se renovou, se
transformou; gosto de pensar que a matéria de que é feito o meu corpo já foi
poeira estelar; já compôs outros tantos corpos, outros tantos seres; que já fez
parte de alguma estrela na imensidão inexplorada do universo. Ao mesmo tempo
que esses pensamentos me remetem à grandeza que existe em mim, também me fazem
pensar sobre minha pequenez diante do gigantismo do cosmos; me fazem refletir
sobre a nossa insignificância e como qualquer forma de pedantismo, de preconceito,
de autoritarismo de sentimento de superioridade não passam de ignorância diante
da magnitude do universo e do fato de que, somos todos feitos da mesma poeira
estelar que a bilhões de anos criou nosso universo.
É claro que os gregos antigos nunca ouviram
falar de Big Bang, mas eles tinham a consciência de que a matéria não é criada
a todo momento. Acreditavam que ela foi criada por algum deus e que permaneceu
em estado caótico, ou seja, desorganizado até que algo ou alguém viesse para
dar ordem ou forma para ela, daí a ideia de Cosmos, ou de Universo. Para eles,
o Universo em que vivemos é o trabalho de um grande arquiteto que deu ordem ao
Caos, ou seja, organizou a bagunça. Imaginemos que um professor de arte
despejasse um caminhão de materiais no pátio de uma escola, papel, tesoura,
lápis, cola etc.... o que teríamos ali era um amontoado de coisas, mas nenhuma
obra de arte. Então esse professor coloca seus estudantes no meio daquele monte
de material e pede a eles que criem o que quiserem. Sem demora a garotada,
enlouquecida de tanta alegria põe mão a obra e aos poucos todo aquele material
caótico (desorganizado), vai criando forma, o que era lixo, como as garrafas
pets, papelão, copos descartáveis, dentre outras coisas, vai mudando, vai se
transformando; novas formas a partir das velhas formas, um mundo novo vai sendo
criado. É mais ou menos assim que os gregos antigos viam o universo. A matéria
era o material que o professor despejou no pátio, e as crianças, o Demiurgo,
aquele que a partir de ideias deu forma ao Caos, a bagunça, criando o Universo
organizado como o conhecemos hoje. As novas coisas feitas das garrafas e de
todo material usado representa a reciclagem continua de matéria que existe no
Universo. Lavoisier já dizia, no Sec. XVIII, “na natureza nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma”. E essa transformação contínua da natureza era vista
pelos antigos como o ciclo da vida. Você já parou para pensar que a matéria da
qual é composto o seu corpo já compôs outros seres no passado, que ela pode ter
pertencido a um dinossauro, a uma planta, a um beija flor, inúmeras são as
probabilidades, aliás, para que nós possamos continuar vivos é necessário que
esse ciclo se repita a cada dia. O alimento que consumimos; o arroz, o feijão,
a carne a fruta, são matéria viva, que precisou morrer para que nós a ingeríssemos
e a transformássemos em energia para repor as células que perdemos; morremos e
ressuscitamos todo o dia, nunca somos os mesmos, células morrem, e outras novas
nascem para repor as que se foram. Já pensaram sobre isso? Nós nos renovamos a
cada dia, renascemos, somos sempre outros, física e intelectualmente. Você que
está lendo este livro já não é mais o mesmo quando iniciou a leitura, já
descobriu coisas novas. Isso acontece no nosso dia a dia. Mesmo as experiências
do dia-a-dia não são as mesmas. Todo dia quando você se levanta para ir para o
trabalho, a escola, ou qualquer outra coisa que você faz diariamente, a
impressão é de que estamos repetindo o mesmo ritual, mas se você prestar
atenção à vida você verá que ela não é mais a mesma. Como já disse Heráclito:
“não nos banhamos duas vezes na água de um rio” a vida flui, ela se transforma
se não percebermos isso, entramos no marasmo da rotina, da mesmice e nos
tornamos seres desesperançados, mecânicos, fazendo tudo automaticamente;
perdemos a capacidade de nos admiramos com o novo que se estampa na nossa cara
todo dia; nos tornamos chatos, sem sal nem açúcar, perdemos a capacidade de
sonhar. Olhar para o ciclo interminável de morte e ressurreição que nos rodeia,
admira-lo, contempla-lo é o segredo da felicidade; é perceber-se como parte
dessa engrenagem cósmica de renovação constante. É imaginar-se como um livro
que está sendo escrito e reescrito constantemente, a cada experiência, um novo
parágrafo, uma revisão, sim, por que o que foi escrito pode ser reescrito, as
experiências servem para que nós olhemos o que já fizemos ou o que pensamos e
refazer, repensar, mudar, transformar. Transformação esse é grande segredo da
vida e da felicidade. Pense em quantas vezes você já não se revisou? Quantas
vezes você já não mudou de opinião? Aprendeu a fazer melhor uma coisa que
achava que já tinha aprendido a fazer? Quando as pessoas me dizem: “Você mudou
de ideia, ontem pensava uma coisa e hoje pensa outra? Como?” aí eu tenho que
dizer: “pensei, refleti, revi meus pontos de vista e mudei!” Sim, mudei, porque
não podemos mudar? Porque não podemos pensar uma coisa hoje e outra manhã?
Acreditar em algo hoje e em outra coisa amanhã? Alguns podem dizer que isso é
falta de personalidade. Isso pode ser verdade se as mudanças ocorrerem sem
nenhuma reflexão, ao acaso, mas quando são refletidas, pensadas, sofridas, sim,
porque algumas mudanças são tão radicais que nos negam por completo, é quando
alguém nos diz: “Não te reconheço mais!” essas são extremamente sofridas,
custam à nossa alma, não são uma simples revisão do nosso livro da vida,
representam um capitulo inteiramente novo, um recomeço. Somos um livro em
constante reedição. A minha mais nova edição é essa a frente do computador
escrevendo estas linhas; esse é o meu eu mais novo, o mais velho está já com 47
anos, lá no passado, deitado em um berço aguardando ansiosamente pelo leite
materno e pelo carinho da minha mãe. De lá para cá ele cresceu e a cada
experiência se renovou, se refez, se fez de novo e de novo e de novo, num ciclo
contínuo e ininterrupto até chegar a este que sou eu agora, a minha mais nova
versão; o meu mais novo eu. Quando você leitor estiver lendo este livro, este
eu que agora o escreve já será velho e ultrapassado. O mesmo vale para a pessoa
que está ao seu lado ela não é mais a mesma, ou melhor, ela nunca é a mesma
ela, assim como o Cosmos está em constante transformação. Quem não consegue perceber
a transformação constante da vida se torna um chato que vive a reclamar do
passado perdido é aquele que vive a relembrar e a viver das memórias do velho,
não se adapta ao novo, está sempre dizendo: “Ah, no meu tempo sim é que era
bom”... ou ainda “Ah.... nos bons tempos.....” sempre compara a realidade que
vive a que viveu, desvalorizando o presente. Esse pobre infeliz deixou de
viver! É um livro mofado cheio de traças. Seu lugar é na estante da vida, pode
até ser admirado pelos seus feitos do passado como uma peça de museu, um livro
velho, mas não diz muito para o jovem que o olha como algo que ele não deseja
ser. A crise de gerações é mais a incapacidade de renovação das nossas ideias
do que qualquer outra coisa. Assim como nossos corpos, nossas mentes precisam
de renovação constante, de energia nova, de novas ideias; de novos ideais de
nova forma de compreender o mundo. No mundo da técnica em que vivemos, as
ideias, os comportamentos se transformam com uma rapidez incrível. A menos de
20 anos atrás eu estaria atrás de uma máquina de escrever datilografando este
livro. A geração de hoje nem sabe o que é isso. Minhas pesquisas na faculdade
eram feitas na biblioteca folheando os cartões de papel no arquivo de metal,
onde eu procurava os livros de que necessitava anotando no papel os códigos
para entrega-lo ao bibliotecário que, de posse deles se dirigia até as imensas
prateleiras repletas de livros para encontrar os que eu havia escolhido, num
labirinto sem fim, e vinha ele com minhas preciosas pesquisas na mão, as
entregava para mim, eu assinava o cartão de empréstimo com a data de entrega
marcada para a devolução. Só a descrição de todo o processo, e olha que eu
pulei vários passos já me cansou. Quando fiz meu mestrado, raramente tive que
ir a uma biblioteca. Todo o material de precisei para minhas pesquisas estavam
à mão na internet, rapidamente pude pesquisar várias bibliotecas do país e do
mundo inteiro (se quisesse); em instantes tinha o acervo das maiores bibliotecas
do Brasil sem sair de casa. “Ah, bons tempos aqueles....” não é mesmo? Ignorar
a tecnologia ou mesmo vê-la como um mau não é o caminho. O que passou, passou,
não tem mais volta, mesmo que nós amaldiçoemos o presente sem parar ele está aí
e chegou para ficar, a vida se transformou, se refez, o ciclo é continuo e
ininterrupto, mesmo que tentemos não podemos atrasa-lo ou fazê-lo retroceder.
Somos nós que devemos nos transformar junto com ele, somos nós quem devemos
morrer para ressuscitar diariamente. Minha avó só andava à pé, eu tenho um
carro com ar condicionado, direção hidráulica, freios Abs....que me leva com
conforto e rapidez onde eu quero! Ah.... que bons temos aqueles em que eu
andava à pé!.....não é mesmo?
Cosmos
Para
o Grego antigo o que move essa máquina interminável de morte e ressurreição e
transformação é o destino. Que “caprichosamente” meche com nossas vidas como um
títere (títere é o mestre que manipula as marionetes, é aquele ou aquela que
segura e controla os fios que movem os membros do boneco) levando-nos ou
fazendo de nossas vidas o que desejar.
O
dia do nascimento de Telêmaco foi o dia mais feliz e o mais triste na vida de
nosso herói; nesse dia uma comitiva vinda do continente e liderada pelo rei
Menelau de Esparta, aportou em Ìtaca para convocar Ulisses e seus guerreiros
para a guerra de Tróia.
Anos
antes, os reis gregos haviam feito uma aliança e juraram protegerem-se uns aos
outros, assim, se qualquer um deles fosse de alguma forma ameaçado ou atacado,
todos os outros reis se uniriam em defesa do agredido. Pois bem, Menelau teve
sua esposa Helena raptada pelo príncipe Pàris de Tróia e buscava sua vingança.
Declarou guerra à Troia e buscou a ajuda dos outros reis gregos para reaver sua
Helena, bem como a vingança por tão odioso ultraje. Assim, fiel ao seu
compromisso, Ulisses deixa sua amada Ìtaca, sua esposa Penélope e seu filho Telêmaco,
para lutar em uma guerra que não era sua, e que nem ao menos lhe dizia
respeito. Todos os seus sonhos e projetos para o futuro vieram água a baixo, o
dia mais feliz de sua vida tornara-se o pior deles, juntamente com a benção
viera a provação. Teve ele que deixar o que lhe era mais rico para lutar pelo
amor de outro homem, deixava sua amada e seu filho para resgatar a amada de
Menelau. Era de se esperar que o desespero recaísse sobre nosso jovem rei, que
a angustia o dominasse, que a tristeza o engolisse como um buraco aberto no
chão sob seus pés. Como nós reagiríamos a essa provação? Ulisses tinha que
seguir Menelau, pois se não o fizesse, seria tido como um traidor e a fúria dos
gregos poderia se voltar contra ele e sua Ítaca. Ele não tinha como recusar.
Quantas
vezes na vida já nos vimos na mesma situação de Ulisses, quantas vezes, algum
“Menelau” aportou em nossas praias, ou seja, em nossas vidas com um notícia que
mudou por completo os nossos planos, uma notícia que nos jogou, sem nenhuma
chance de evita-la, num sofrimento; numa angustia, e numa tristeza que nos
arremessou ao desespero? Como reagimos, o que fizemos? Transformamos o
infortúnio em um mal ainda maior com nossas lamentações? O enfrentamos? Deixamo-nos levar por ele? O que fez nosso
herói?
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